Uso irracional de medicamentos virou praga mundial muito perigosa

Uso irracional de medicamentos virou praga mundial muito perigosa

O uso irracional ou inadequado de medicamentos, como dosagens desnecessárias ou incorretas de antibióticos e automedicação, é um dos maiores problemas de saúde a nível mundial. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que mais da metade de todos os medicamentos no mundo são prescritos, dispensados ​​ou vendidos de forma inadequada, e que metade de todos os pacientes não os utiliza corretamente. São exemplos o consumo de muitos medicamentos por paciente (polifarmacia), o uso inadequado de antimicrobianos (antibióticos), muitas vezes em dosagem inadequada, para infecções não bacterianas, o excesso de injeções quando formulações orais seria mais apropriado, a falta de prescrição de acordo com as diretrizes clínicas e a automedicação inapropriada.

Além de perigoso, o consumo desnecessário de drogas medicinais é uma prática que custa muito caro, para a saúde e o bolso. Os brasileiros gastam, em média, 18% com a farmácia. Mas o mais preocupante é que os dados mostram também que 35% dos medicamentos adquiridos no Brasil são comercializados sem receita médica através da automedicação. O uso irracional de medicamentos pode levar a resultados negativos em modo geral tais como:

  • diagnostico incorreto do distúrbio
  • agravamento do distúrbio
  • terapia inadequada
  • risco de dependência
  • efeito indesejado
  • interações impróprias com outros medicamentos
  • alergias
  • intoxicações e outros

Por isso, os medicamentos respondem por 27% das intoxicações no país e 16% dos casos de morte por intoxicações são causados por medicamentos. As pessoas tomam remédio até por indicação do vizinho que disse que tomou tal medicamento e foi muito bom. Não é à toa que a indústria farmacêutica fatura a soma astronômica de quase R$ 70 bilhões por ano no Brasil. E os gráficos mostram que as vendas continuam em alta a cada ano.

OS ANTIBIÓTICOS

Um dos casos mais críticos sobre o uso irracional de medicamentos é o abuso de antibióticos, produtos capazes de matar ou inibir o crescimento de bactérias. Eles devem ser usados apenas no tratamento de infecções bacterianas, de acordo com prescrição médica, e sua eficácia está diretamente relacionada ao agente causador da infecção. Nem todos os antibióticos são adequados para uma mesma infecção. Contudo, pesquisa recente da Organização Mundial de Saúde (OMS), órgão das Nações Unidas, em 65 países apontou que  o uso excessivo e inadequado de antibióticos é a principal causa de resistência antimicrobiana. A maior preocupação da OMS é que os atuais antibióticos conhecidos estão perdendo sua eficácia na capacidade de tratar até infecções comuns, como a pneumonia. As infecções já se tornaram a causa de 25% das mortes em todo o mundo, sendo 45% nos países menos desenvolvidos.

A pesquisa também mostrou que:

  • Mais de 50% das prescrições, receitadas pelos próprios médicos, se mostram inapropriadas
  • 2/3 dos antibióticos são usados sem prescrição médica em muitos países
  • 50% dos consumidores compram medicamentos para 1 dia e 90%  compram para período igual ou inferior a 3 dias, quando o normal é o uso de antibióticos por um período de 7 dias
  • Mais de 50% dos gastos com medicamentos, que chegam a 100 bilhões de dólares por ano no mundo inteiro, são destinados aos antibióticos

Esta situação foi considerada crítica e fez a OMS emitir um sinal de alerta mundial para que todos os países aderissem a uma campanha de conscientização e controle sobre o uso de antibióticos. Suzanne Hill, diretora do Departamento de Medicamentos Essenciais e Produtos de Saúde da OMS, diz que os resultados dessa pesquisa “confirmam a necessidade de tomar medidas urgentes, como a aplicação de políticas de prescrição, para reduzir o uso desnecessário de antibióticos”.

A pesquisa mostrou também que a amoxicilina e a amoxicilina/ácido clavulânico são os antibióticos mais utilizados em todo o mundo. Esses medicamentos são recomendados pela OMS como tratamento de primeira ou segunda linha para infecções comuns e pertencem à categoria “acesso” da Lista de Medicamentos Essenciais da OMS. Em 49 países, essa categoria representa mais de 50% do consumo de antibióticos. É importante lembrar que são as bactérias que se tornam resistentes a esses medicamentos, não os humanos ou animais.

A Fundação Oswaldo Cruz chama também a atenção para outro fato assustador sobre o emprego de antibióticos na rede hospitalar e na pecuária.  A rotina hospitalar, por exemplo, conta com uma série de procedimentos invasivos que são portas de entrada para as bactérias – como a utilização de ventilação mecânica e de cateteres venosos. Em consequência ao aumento das infecções hospitalares associadas a estes instrumentos, o uso de antibióticos é intensificado, o que promove a seleção de bactérias resistentes neste ambiente. Outro quadro alarmante que favorece este aumento de resistência é a falta de sistemas de saneamento eficazes, que permite o lançamento de esgoto de hospitais e domicílios, sem o tratamento adequado, no meio ambiente. Na natureza, estas bactérias entram em contato com outros micro-organismos e antibióticos, fomentando um novo processo de seleção que potencializa a resistência. Águas poluídas ou alimentos contaminados podem colocar os indivíduos em contato com a bactéria que retorna ao hospital criando um ciclo. Já as práticas da agricultura e da pecuária também contam com o uso dessas substâncias em grandes quantidades. Um exemplo é o emprego do antibiótico como agente promotor de crescimento em porcos e galinhas. O leite também é um produto que transporta quantidades enormes de resíduos de antibióticos usados nas vacas, principalmente para tratamento da mastite, uma infeção das tetas destes animais. Na prescrição da bula é informado o período de carência para que o produtor volte a fornecer aos consumidores o leite de vaca em tratamento com os antibióticos. A maioria, por ganância comercial ou ignorância, pois estes medicamentos de utilização na pecuária são vendidos livremente, usam antibióticos indiscriminadamente sem o descarte do produto durante o tratamento.

OS REMÉDIOS PARA O SISTEMA NERVOSO

Depois dos antibióticos, os medicamentos que atuam no sistema nervoso representam os mais usados pela população brasileira e estão envolvidos na ocorrência de várias reações adversas. Além disso viciam, como drogas ilícitas vendidas por traficantes. Segundo dados publicados na Revista Brasileira de Psquiatria,  das 552,6 milhões de prescrições de fármacos feitas no país, 74,9 milhões (13,6%) correspondem aos medicamentos psicoativos, sendo que os antidepressivos, neurolépticos e antiepiléticos são os principais causadores de reações adversas, acarretando, na maioria dos casos, hospitalização ou prolongamento da hospitalização, risco de vida, invalidez temporária dos pacientes e mortes.

As anfetaminas, que são drogas estimulantes do sistema nervoso central, se tornaram populares entre universitários, que querem virar noites estudando, motoristas de caminhão que viajam no horário noturno e até mesmo para “agitar” nas festas de baladas. Mas se tornaram também muito indicados pelos médicos para o tratamento do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), da obesidade e da narcolepsia, um tipo de transtorno do sono, caracterizado por sonolência excessiva. Dados da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (JIFE) indicam que o Brasil, recentemente, ocupava o primeiro lugar mundial na venda de anorexígenos, o que exigiu maior rigor na regulamentação do comércio dessas substâncias pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e a segunda posição mundial de consumo do Cloridrato de Metilfenidato, cuja marca comercial mais usada é a Ritalina, usado para tratar TDAH, figurando apenas atrás dos Estados Unidos.

Os comprimidos de anfetamina também são muito usados por pessoas que fazem regimes de emagrecimento. A ingestão da substância é frequente entre quem precisa perder peso, isto porque um dos seus efeitos é a diminuição do apetite, em alguns casos chegando à perda total da vontade de comer. Os remédios anorexígenos, popularmente conhecidos por inibidores do apetite, induzem à anorexia. Pela falta de alimentos, o corpo passa a utilizar as calorias da gordura corporal para alimentar o funcionamento do metabolismo, resultando em quilos a menos na balança.

OS ANALGÉSICOS E ANTITÉRMICOS

Medicamentos que ocupam posição de destaque entre os mais vendidos nas farmácias, podendo ser comercializados sem receita médica, eles associam em suas fórmulas drogas que agem simultaneamente como analgésica, cuja finalidade é aliviar a dor, e antitérmica, para baixar a febre. As mais comuns são a dipirona, o paracetamol e o ibuprofeno. As pessoas usam como medicamente inofensivos, sem saber os riscos que oferecem. A dipirona, por exemplo, está proibida nos Estados Unidos e na maioria dos países da União Européia, além de Japão e Austrália, acusada de causar problemas como agranulocitose, estado mórbido agudo que se caracteriza pela diminuição ou desaparecimento dos leucócitos  e se manifesta por ulcerações nos intestinos ou em outras mucosas, na garganta e na pele, choque anafilático, reação alérgica grave e de rápida progressão que pode provocar a morte, arritmia cardíaca, condição em que o batimento do coração é irregular, alternando entre demasiado rápido ou demasiado lento, e vários outros efeitos colaterais. Já o paracetamol, que se tornou o mais receitado no Brasil pelos pediatras, é o principal causador de insuficiência hepática nos Estados Unidos, segundo estudo publicado pela revista científica New Scientist, e também o maior responsável pelas mortes por intoxicação causadas por todos os remédios. A dosagem máxima recomendada na bula é de 4 gramas, mas no Brasil são comercializados medicamentos a base de paracetamol com até 750 miligramas da droga por comprimido. E vale lembrar que o consumo de álcool ativa os efeitos do paracetamol, o que elimina completamente o uso deste remédio contra dor de cabeça na ressaca. E, por fim, o ibuprofeno, a mais recente das drogas contra dor e febre. Pode causar problemas cardiovasculares ou circulatórios perigosos tais como ataque cardíaco, particularmente se é usada a longo prazo. O ibuprofeno pode igualmente causar problemas gastrintestinais tais como sangramento ou perfuração. Estas circunstâncias podem ocorrer muito de repente, sem aviso, e podem ser fatais, particularmente em pessoas mais idosas.

CONSCIENTIZAÇÃO MUNDIAL

O Ministério da Saúde aderiu à campanha mundial da OMS para conscientização sobre o uso racional de medicamentos. Em novembro passado, foi realizado um seminário em Brasília  com o objetivo de alertar a população para que busque orientação sobre o uso de medicamentos, bem como sensibilizar os profissionais de saúde – médicos e veterinários –  para que façam a prescrição de uso dos antibióticos de forma consciente, levando em conta a saúde humana, animal e o meio ambiente. A discussão, que teve transmissão online, contou com a presença de técnicos de todas as secretarias do Ministério da Saúde, além de representantes da Anvisa e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Clarice Petramale, representante da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, ressaltou que “o profissional de saúde precisa entender a lógica do mercado farmacêutico e avaliar quais os reais benefícios que determinado medicamento traz, levando em conta pesquisas robustas e não apenas propaganda e benefícios ofertados pela indústria farmacêutica”.